sábado, 23 de julho de 2011

701

Todos os dias, ao acordar, se lavava, vestia-se com roupas mal passadas, arrumava os cabelos, e pintava a cara.
Todos os dias, escondia as olheiras, erupções de pele causadas pelo mal funcionamento do fígado, marcas de sol. Pintava os olhos, realçava os cílios, marcava a boca. Ainda não estava pronta.
Calçava-se, ainda não estava pronta.
Todos os dias, caminhava até o trabalho sem perceber os detalhes do trajeto, fumando um cigarro, cabeça erguida, mas não olhava para a frente. A caminhada era seu momento favorito, como se as velhas ruas do centro da cidade fossem levá-la a um novo lugar.
Pensava em como era cômico, e trágico, perder tudo que tem. Ficar sem dinheiro, perder pessoas queridas que ainda vivem, perder-se de si próprio, perder a paz. Se é que algum dia houve paz. Valorizava muito um sofá aconchegante e uma cama macia, apesar de não dormir muito, existe a paz no escuro de um quarto e conforto de uma cama.
Chegava num trabalho que não era nem de perto seu sonho, continuava lá porque se esqueceu do que queria. Sabia que no fundo ainda tinha algum brilho e até certa simpatia, se esforçava para doar esse resto de vida a eles. Sorria com os lábios pintados: Bom dia!
Todos os dias Ana falava com o amor, mas mesmo o amor pode não ser suficiente para nos manter vivos.
Todos os dias Ana pensava nas mesmas coisas, mas as respostas mudavam, e então ela ficava no mesmo lugar.
Parecia ser um novo dia! Sétimo andar, apartamento 701, uma nova perspectiva? Matou-se.

domingo, 3 de julho de 2011

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Um muito de solidão não faz mal a ninguém?