quarta-feira, 27 de abril de 2011

"Nós escrevemos livros porque nossos filhos se desinteressam de nós. Nós nos dirigimos ao mundo anônimo porque nossa mulher tapa os ouvidos quando falamos com ela.
Vocês irão replicar que, no caso do chofer de táxi, trata-se de um grafomaníaco e de modo algum de um escritor. Portanto, para começar, é necessário precisar os conceitos. Uma mulher que escreve quatro cartas por dia para o seu amante não é uma grafomaníaca. É uma apaixonada. Mas meu amigo que tira fotocópias de sua corresnpodência amorosa para poder publicá-las um dia é um grafomaníaco. A grafomania não é o desejo de escrever cartas, diários íntimos, crônicas familiares, mas de escrever livros (portanto, ter um público de leitores desconhecidos). Nesse sentido, a paixão do chofer de táxi e a de Goethe são a mesma. O que distingue Goethe do chofer de táxi não é uma paixão diferente, mas o resultado diferente da paixão.
(...)
O isolamento geral engendra a grafomania, e a grafomania generalizada reforça e agrava, por sua vez, o isolamento. A invenção do prelo no passado permitiu aos homens compreenderem-se mutuamente. Na era da grafomania universal, o fato de escrever livros adquire um sentindo oposto: cada um se cerca de suas próprias palavras como de um muro de espelhos que não deixa passar nenhuma voz de fora."


Milan Kundera - O Livro do Riso e do Esquecimento.

Um amigo me indicou esse livro, e agora está entre os meus favoritos.

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